Esta merecida homenagem ao "Mestre Jaime Rogrigues" foi gentilmente oferecida pelo seu filho Mário Rodrigues.
Mestre Jaime Rodrigues
César Torres
“Estava ligado aos primórdios do automobilismo desportivo português”
José Lampreia
“Tinha um ouvido e umas mãos notáveis para afinação de motores”.
Baptista dos Santos
“Guardarei uma boa recordação do Jaime”
Fernando Baptista
“Como desportista poderia servir de exemplo para muitos”
Manuel Gião
“Marcou a melhor época da minha vida como piloto”
Francisco Romãozinho
“Foi o melhor preparador nacional de carros de competição”
Nasceu em 1912, no Tortozendo, vila industrial a 7 Km da Covilhã, distancia que palmilhava diariamente para ir e regressar da escola primária. Depois, a vinda para Lisboa e o ingresso no Lice
Mas quando via passar os automóveis, muito poucos nesse tempo, pensava como seriam aqueles motores e engrenagens que os faziam andar e que eram já o seu sonho.
Pediu aos pais para sair do Liceu e ingressou numa oficina. Passou por várias, sempre na ansia de aprender, até que entrou no “Almeida dos Cadillacs”, ao tempo, considerado o melhor mecânico e preparador do país. Lá se conservou vários anos, tendo chegado a chefe da oficina com apenas 18 anos de idade.
O automobilismo desportivo começava então a revestir-se de certo entusiasmo e os corredores da época procuravam aquela oficina.
Começou a ser responsável pelos carros desportivos, estávamos em 1932-33 e os carros que primeiro preparou e assistiu foi um BNC e um Bugatti de José Gonçalves.
Esse BNC ainda hoje se encontra exposto na sede do “Clube 100 à Hora”.
Quando escrevi estas linhas não sonhava vir a saber da venda do carro para o estrangeiro. Foi com muita pena, que ao ler o Editorial do nº88 do Topos & Clássicos, tive conhecimento da venda do BNC que pertencia ao “Clube 100 à Hora” , e que foi dos primeiros carros de corrida afinados e assistidos pelo Jaime Rodrigues. “É de facto de lamentar que os responsáveis pelo “Clube 100 à Hora” tenham vendido para o estrangeiro um carro tão importante para a História do Automobilismo Desportivo Nacional.”
O Jaime Rodrigues assistiu depois corredores que ficaram na história do automobilismo português, como Roque da Fonseca, Almeida Araújo, Carlos Black, Henrique Lerfield, Vasco Sameiro, Manuel Nunes Santos, António Leitão d’Oliveira, Manuel Soares Mendes e tantos outros.
Para além de excelente mecânico e preparador, o Jaime Rodrigues guiava muito bem, e ao tempo entrou em várias provas em Bugatti, como no Circuito de Santarém em 1936] e no Quilómetro Lançado do Cabo em 1937 que ganhou em Bugatti 35A na Classe E
- Corrida, com a média horária de 143,483. Nesta prova, o Eng. Ribeiro Ferreira ganhou na Classe D- Corrida, com a magnífica média horária de 203,735 !
Ao volante de um Bugatti 35A no Circuito de Santarém em 1936
1938- Estabeleceu-se na Rua da Beneficência – Lisboa, e o seu primeiro cliente com um carro de competição foi Manuel Nunes Santos com um B.M.W. 328 o “EG-10-40” que ainda hoje roda nos Circuitos Clássicos. Á época o carro não era todo branco, tinha os painéis laterais pintados de vermelho.
Assistiu-o nos Circuitos do Porto, Vila Real, Miramar, Campo Grande, Quilómetro de arranque das Caldas da Rainha e do Cabo e Circuito da Av. Todi Setubal.
Rallye de Miramar –Jorge Seixas- Allard - Manuel Nunes Santos/Jaime Rodrigues- BMW 328 - Dr. Oliveira Martinho- BMW 327
1940/45- Foram anos difíceis para o automobilismo nacional.
Como consequência da II Guerra Mundial, resultou para o Mundo a escassez de gasolina e outros com bustíveis líquidos, pelo que a adopção do gasogénio, apesar do incómodo da sua utilização, foi a saída para manter os carros a rolar.
Definindo de uma forma simples, o chamado gasogénio era obtido pela queima de carvão ou lenha.
O dispositivo para obtenção do gasogénio requeria uma instalação volumosa e era normalmente mon tado na traseira dos veículos, tendo um peso aproximado de 100 Kgs. O funcionamento não era imediato, levando a formação do gás no gerador cerca de 5 a 10 minutos. Como consequência destas dificuldades, a actividade desportiva em Portugal foi suspensa.
Mas outros países houve, em que o gasogénio foi utilizado em provas desportivas.
No Brasil, o campeão brasileiro Landi conseguiu do governo autorização do gasogénio em provas desportivas, e assim foi campeão com um Buick 1941(adaptado) por três anos consecutivos, de 1943 a 45.
Dizia-se que entre os seus cuidados, estava a utilização de carvão de nó de pinho, considerado o melhor para o motor.
Landi, ficou conhecido como o “Rei do Gasogénio”.
Vasco Sameiro em Abril de 1943, ganhou no Rio de Janeiro uma corrida de automóveis de turismo a gasogénio.
Nestes anos, o Jaime Rodrigues contribuiu também para o parque automóvel nacional, com a montagem de vários dispositivos de gasogénio.
Junto a um dos muitos gasogénios que montou durante o período da II Guerra Mundial
Com o fim da guerra, as restrições acabaram, reiniciaram-se as provas desportivas e o Jaime começou a participação nos rallies como navegador, a que ao tempo se chamavam “penduras”.
O “pendura”, além de navegador, era o mecânico que na ausência da assistência organizada tentava resolver (e muitas vezes resolvia) os problemas no local onde surgiam.
Com Fernando Stock na Iª Volta a Portugal; em 1949, num Skoda
1949- I ª Volta a portugal, companheiro de Fernando Stock, que também se estreava nas lides desportivas com um Skoda de que era o representante para Portugal.
Chegada a Monte Carlo, com Manuel Nunes Santos em Oldsmobile - 1951
Depois, com Manuel Nunes Santos duas presenças no Rallye de Monte Carlo, a primeira em Oldsmobile, em que se classificaram em 51º LUGAR e a segunda , já com um carro com pretensões, um BMW 327, mas com o motor do 328 Branco ( agora já se pode dizer), mas infelizmente tiveram que abandonar depois de acidente no norte de Espanha.
1950- Afinou e assistiu os primeiros Porsches 1100 de Carlos Vinhas Santos, Salvador Vila Maior e de Manuel Nunes Santos, com quem participou na Volta a Portugal e no Rallye Internacional .
No Porsche 1100 com Manuel Nunes Santos no Rallye Internacional
Neste ano continuou a assistir o BMW 328 ( ex-Manuel Nunes Santos), mas já conduzido por Daniel de Magalhães.
O Jaime a alinhar o BMW 328 no Circuito Internacional do Porto -1950
1952- Chegaram os Porsches 1500 –O Filipe Nogueira tinha ganho a 2ª Volta a Portugal em MG, e comprou um dos primeiros Porsches 1500, o DI-18-17. Estrearam o carro e estrearam-se como equipa nas 24 Horas da Bola que ganharam.
A partir daí, foram cinco épocas inesquecíveis, ganharam, como se costuma dizer, tudo o que havia para ganhar, incluindo a IV Volta a Portugal e o Rallye Internacional de Lisboa por duas vezes consecutivas, as taças cidade de Lisboa e cidade do Porto.
O Jaime Rodrigues afinava e assistia também os Porsches 1500 de D.Fernando de Mascarenhas, Fernando Stock, Castelo Branco, João Ortigão Ramos, João e Alberto Graça, João Capucho, Romão Martins, Manuel Soares Mendes, Dr. Oliveira Martinho e outros.
Fez equipa com João Graça na Volta á França em 1952 assistindo também a equipa Filipe Nogueira/Joaquim Tojal.
A primeira vitória com o “ DI-18-17” nas 24 Horas da Bola, com Filipe Nogueira
Com Filipe Nogueira na chegada a Lisboa como vencedoresda IV Grande Volta a Portugal
A Porsche adoptou as grelhas de arrefecimento de travões da frente feitas pelo Jaime
Podia ler-se na revista oficial da Porsche : “Reparem que o Porsche do Portugês tem umas grelhas de entrada de ar para arrefecimento dos travões”. Referiam-se ao Porsche do Filipe Nogueira na Volta á França. O Jaime nesta prova foi companheiro de João Graça em Porsche, mas também assistia o Porsche da equipa Filipe Nogueira/Joaquim Tojal.
Os travões da frente do Porsche tinham tendência a aquecer e ainda só tinha feito esta alteração ao carro do Filipe Nogueira para a IV Volta a Portugal desse ano, que venceram.
Pois os Porsches de fábrica que vieram a seguir já traziam as grelhas de arrefecimento do Jaime.
Depois chegaram os Porsches 1600 e os Porsches Denzel. Os Porsches Denzel, ficaram conhecidos pelas boas prestações na sua categoria em circuitos.
O Jaime afinava e assistia os Denzel de D. Fernando Mascarenhas, Fernando Stock, e os dois que mais provas ganharam, o “CG-19-75” de Ernesto Martorell e o “FH-20-49” de Filipe Nogueira, com que fizeram a VI Volta a Portugal.
Assistiu a equipa Ernesto Martorell/Filipe Nogueira com o “CG-19-75” nas 12 Horas de Casablanca.
As taças da vitória na IV Volta a Portugal Nesta distribuição de prémios, Filipe Nogueira ofereceu ao Jaime um Relógio de ouro
No embarque do Denzel da equipa Filipe Nogueira/Ernesto Martorell para as “12 Horas de Casablanca”
A Palavra acima da amizade
Falando dos Porsches Denzel, não consigo resistir a contar um episódio que se passou com Ernesto Martorell e o Filipe Nogueira.
Os carros estavam na oficina do Jaime Rodrigues, alinhados lado a lado recebendo as últimas atenções para o Circuito de Monsanto.
Faltavam dois ou três dias para a prova e o Ernesto Martorell apareceu ao Jaime com dois carburadores especiais que tinha mandado vir de Itália com grande sigilio para que o Filipe Nogueira não soubesse.
Pediu ao Jaime que os montasse e afinasse, mas que nada dissesse.
O Filipe Nogueira e o Ernesto Martorell eram bons amigos, mas havia entre eles uma grande rivalidade.
O Jaime era muito amigo do Filipe Nogueira, mas cumpriu o que lhe foi pedido.
Escusado será dizer que o carro do Ernesto Martorell ficou a andar bem mais que o do Filipe, que muito admirado, no final dos treinos, perguntava o que se estava a passar.
Consternado, o Jaime contou-lhe, e como se comprometera a guardar segredo.
O Ernesto Martorell ganhou no Circuito de Monsanto a Taça Governador Civil de Lisboa (1954) e o Filipe Nogueira ficou em 2º Lugar.
Era assim o Jaime Rodrigues.
Na Volta à França com João Graça Em Porsche 1500 – 1952 Vitória de Ernesto Martorell em Denzel no Circuito de Monsanto
1953- Filipe Nogueira recebe o seu primeiro Ferrari, “ID-18-48” e o carro foi-lhe entregue para assistência.
Afinado e ssistido pelo Jaime, fez vários Circuitos como o do Porto e Vila Real.
Com Filipe Nogueira testando o Ferrari no Circuito do Porto - 1953
1954- Ernesto Martorell ganhou no Porsche Denzel (CG-19-75) A II Taça Cidade do Porto e a Taça Governador Civil de Lisboa e Filipe Nogueira fez 2º Lugar nas duas provas com o (FH-20-49).
Monsanto (Taça Governador Civil de Lisboa -1954) (Com os tais carburadores…)
1955/56- Mudou a oficina para a Rua da Ponta Delgada. Tinha melhores condições técnicas e de espaço, para assistir quem o procurava.
Chegaram os primeiros Porsches Spyder-1500/1600.
Filipe Nogueira (FE-22-24), Fernando Stock, Correia de Oliveira (LC-23-99)D. Fernando Mascarenhas (CB-22-21)Moura Pinheiro (HF-23-70), Marinho de Lemos, e Daniel de Magalhães,com o RSK confiaram-lhe a afinação e assistência dos seus carros.
Foram muitas as vitórias dos Spyder’s por si preparados, mas o que mais alegrias lhe deu foi o “FE-22-24”, do Filipe Nogueira , que venceu o Circuito de Vila do Conde (1955) e a Taça Cidade do Porto (1955). Também em 1955 no Circuito de Monsanto o Filipe Nogueira fez uma corrida para recordar, dando luta até ao fim a Stirling Moss, acabando o britânico por vencer, mas com um carro de fábrica com motor mais potente.
A prova de que assim era, foi a de que, depois dos treinos, e obtidos os tempos de qualificação, foi feito o pedido à assistência de Stirling Moss que cedesse o motor suplente que traziam, para montar no carro do Filipe. Contactada a Fábrica, o pedido foi negado.
Ora, depois de acabados os treinos e com o carro em óptimas condições, o motor já de nada lhes servia, mas com carros iguais o portugês seria um caso muito complicado para o Stirling Moss.
Circuito de Monsanto -1955 Junto a dois Spyder’s que assistia Nº1-Filipe Nogueira Nº2-D. Fernando de Mascarenhas
Em ombros como os toureiros
Foram também muitas as vitórias do Filipe Nogueira com o Porsche Spyder, mas houve uma que nunca esqueceu aos dois, ao Filipe e ao Jaime.
Foram a Barajas – Espanha, para a corrida até 1500cc. O Filipe alinhou e ganhou, após uma boa corrida. No programa, a organização tinha em seguida a corrida de Grande Turismo, com os Ferraris, Pegasos e toda a “artilharia pesada” da época, e convidou o Filipe como vencedor da corrida anterior se queria alinhar, mas para alinhar, teria de ser na última fila, pois não tinha tempos de qualificação. O Filipe aceitou.
E não é, que passadas algumas voltas já andava na frente!
Estava a fazer uma corrida fantástica, porém o Jaime apercebeu-se que alguma coisa não estava bem com o carro, e preparou a caixa da ferramenta. Assim foi, na volta seguinte o Filipe parou na box. O Jaime abriu o capot, viu o que estava desapertado e quando deitou a mão à caixa da ferramenta veio exactamente a chave que era precisa. Apertar e fechar o capot foi um ápice, e o Filipe Nogueira lá foi, recuperou o atraso e ganhou a corrida!
Escusado será dizer a alegria do Jaime e de todos os portugueses presentes, entre eles o Carlos Faustino, o Santos Pinto e o filho Luís ( mais tarde prematuramente falecido num acidente quando treinava a Volta a Portugal )
O Filipe Nogueira à boa maneira espanhola, foi por este grupo de portugueses transportado em ombros com muita alegria.
Madrid – Barajas O Jaime e o Carlos Faustino levando aos ombros o Filipe Nogueira depois da corrida que acabara de ganhar
Também em Spyder Joaquim correia de Oliveira com o ( LC-23-99 ), fez muito boas corridas, entre elas, uma excelente vitória no Grande Prémio de Luanda- 1957.
Depois de mais de vinte anos, a sua vida profissional foi-se confundindo com a vida desportiva e o seu nome ultrapassara fronteiras.
O Jaime tinha muitos clientes espanhóis, que não só se deslocavam à Rua da Ponta Delgada, como solicitavam a sua deslocação a Espanha. Com frequência se deslocava a Madrid, para afinar os Porsches Carrera de D. Carlos Romero e do Príncipe Jorge de Bragation.
Com os corredores que acompanhou e assistiu no Grande Prémio de Luanda: Da esquerda para a direita : Marinho de Lemos/Marques Pinto/
Jaime/Correia de Oliveira e José Manuel Simões
Nos extremos dois directores do A.C.T.A
No decorrer deste ano, deslocou-se a Itália á Fábrica Maserati para recepcionar o Maserati 1500 adquirido por Ernesto Martorell, fazendo a respectiva especialização no departamento desportivo da fábrica.
Contemporâneos dos “Spyder”, os Mercedes 300 SL, também lhe deram muitas alegrias.
Fernando Stock, José Manuel Simões, João Vaz Guedes, Filipe Nogueira, Moura Pinheiro, João de Castro, Hermano Areias, Júlio Bandeira Bastos e outros de que decerto me estou a esquecer, pilotaram os Mercedes por ele afinados e assistidos e que à época tantas provas ganharam.
A 7ª VOLTA a PORTUGAL – Filipe Nogueira/Hermano Areias, Taça Cidade de Lisboa e Taça Cidade de Luanda – José Manuel Simões.
O Jaime Rodrigues ao longo da vida foi-se sempre actualizando e especializando conforme as marcas evoluíam nos seus modelos.
Foram várias as deslocações ao estrangeiro:
Em ITÁLIA- Fez estágios na FERRARI na MASERATI e SIATA.
Na ALEMANHA- acompanhando a evolução da PORSCHE fez cursos em Stuttgart em 1955 e 1956.
Estagiou na ALPINA em Kaufbeuren
em 1969 e também na MERCEDES.
Em Luanda a alinhar o Mercedes 300SL de José Manuel Simões
Em INGLATERRA tirou especialização na Alexander, Bilnstein e Charles Lucas.
Também neste ano, Manuel Nunes Santos recebeu um Alfa-Romeo 1900 que confiou ao Jaime e com o qual venceu várias provas, entre elas a Taça Cidade de Lisboa – Turismo – 1957.
Um Emblema de Ouro da ALFA-ROMEO
Manuel Nunes Santos levou o seu Alfa-Romeo 1900 ao Rallye de Monte Carlo em 1956.
O carro era assistido e afinado pelo Jaime.
Os carburadores Solex duplos com que o carro vinha equipado, eram de difícil regulação na injecção de gasolina, e a assitência Alfa-Romeo reparou que o carro do português tinha uma modificação com esticadores reguláveis das bombas de injecção que permitiam saber a quantidade exacta de gasolina a injectar nos carburadores.
A Alfa-Romeo reconheceu a qualidade da modificação e Manuel Nunes Santos foi portador de um emblema de ouro da marca, com o nome do Jaime gravado.
A partir dessa data, todos os carburadores Solex deste modelo vieram assim equipados.
O Jaime guardava este emblema com muita estima.
Com o Alfa-Romeo 1900 de Manuel Nunes Santos ( Em que fez a modificação dos carburadores Solex)
1956- Foi um ano que não esqueceu, mas pelo mau momento que viveu aquando do acidente do Filipe Nogueira no II Grande Prémio do Porto. Foi das corridas mais empolgantes com um protagonista português a que se assistiu em Portugal. A luta com o Marquês de Portago estava a ser um espectáculo de boa condução e valentia, pois havia uma boa diferença de potencia entre os dois Ferrari “Monza” em luta.
O “Monza” de Filipe Nogueira era de modelo mais antigo e de menor cilindrada. Faltavam duas ou três voltas para o final, e a indefinição quanto ao vencedor mantinha-se, mas um desiquilibrio à saída da curva do Castelo do Queijo foi o suficiente para tocar com a roda direita da frente no passeio. O carro virou-se no ar e caiu de rodas para cima. Teria sido o fim do Filipe, mas para o bem ou para o mal, não havia ainda o cinto de segurança, e o ter sido cuspido do carro, salvou-o de ficar esmagado. Grande aflição, para quem, como eu, assistiu a todo o acidente da bancada situada nesta curva.
O Jaime tinha pelo Filipe Nogueira um afecto de família, era como se de um filho se tratasse, e acompanhou o amigo no Hospital de S. António até o saber livre de perigo, assim como a
D. Fernanando de Mascarenhas, que também tinha tido um acidente no Circuito e que se encontrava no mesmo quarto.
Nesta corrida, com o seu brilhante 4º lugar, Borges Barreto consolidou um convite para corredor oficial da Ferrari.
Recordo-me ao visitar o Filipe Nogueira na sua convalescença numa clínica junto ao Saldanha, da jovialidade e entusiasmo com que me contava, a propósito da corrida, que já tinha passado o Portago em três pontos diferentes do Circuito, para que ele não soubesse onde o iria passar na última volta.
Também em 1956 perdeu mais que um cliente, um amigo. D. Fernando de Mascarenhas falecera num acidente de estrada, com um Ferrari novo que trazia para Portugal.
Uma corrida em IMOLA
1957- Filipe Nogueira acabara a recuperação do grave acidente que sofrera no ano anterior aquando da disputa do II Grande Prémio do Porto.
Tal como Ascari disse, a propósito do seu acidente em Monte-Carlo, “Após um acidente é preciso voltar logo para um carro de corrida, senão a insegurança pode instalar-se”, e a preocupação do Filipe foi fazer uma corrida para testar a sua condição.
A prova escolhida foi em Itália, O Circuito de Imola, uma corrida para carros até 1500cc
Em Imola, Jaime Rodrigues, José Manuel Simões, Filipe Nogueira e Borges Barreto formavam o grupo português.
Convívio com amigos(Da esquerda para a direita):
Águia de Pina/Jaime Rodrigues/João de Castro/Borges Barreto no balcão do bar Francisco Ferreira (velha glória do Benfica) de costas Joaquim Tojal e Filipe Nogueira.
Próximo ficava a fábrica Ferrari em Modena, onde o Borges Barreto se deslocou, para o ajuste final da fixação do banco do TestaRossa, que a fábrica como piloto oficial, lhe estava a preparar.
Infelizmente seria nesse carro em Saint-Etienne, que perderia a vida.
Em Imola, encontravam-se o que se podia chamar “a fina flor do automobilismo”.
Lembro-me de Castelotti, Musso, Cabianca, Roy Salvadori, Perdisa, Bonnier, enfim muita gente conhecida.
Começaram os treinos, e o Filipe estava a fazer bons tempos, pois ainda não referi, mas para além dos nomes, as “máquinas” eram a última palavra.
A Maserati estreava um modelo 1500cc, os novos Gordinis estavam assistidos pelo sr.Gordini, os Lotus estreavam também um novo modelo, enfim o Spyder estava já ultrapassado.
O treino continuou e o Filipe passou então o carro ao Toquim Barreto, que ao fim de duas ou três voltas, parou com o motor a falhar.
O Jaime logo se apercebeu, que seria preciso abrir o motor. Quando se conseguiu abandonar o Circuito era já tarde e na vila mais próxima as oficinas já estavam fechadas.
Depois de muito procurar, indicaram-nos uma pequena oficina, cujo dono, mesmo fora de horas se dispôs a ajudar, abrindo-nos as portas. O Jaime abriu o motor, e encontrou a razão da avaria. Tinha-se partido o prato de uma mola de válvula. A oficina tinha um pequeno torno e por sorte o pedaço de aço suficiente, para o Jaime tornear um prato, montá-lo, e o Filipe e o Toquim terem carro para a corrida.
Foi um teste muito positivo e uma boa corrida do Filipe Nogueira, que quando passou o carro ao Toquim, se encontrava num honroso 4º lugar.
Satisfação para o Jaime pelo amigo, e por terem conseguido uma boa presença.
1957- Alfredo César Torres iniciou-se nos rallies com um Volkswagen transformado pelo Jaime com dois carburadores Solex e admissões de sua autoria. Foi também neste ano, uma jornada vitoriosa a deslocação a Luanda assistindo o José Manuel Simões – Mercedes 300 SL, Correia de Oliveira – Porsche Spyder e Marinho de Lemos – Porsche Spyder.
O Joaquim Correia de Oliveira e o José Manuel Simões venceram as respectivas corridas.
Depois da corrida de Imola, foi o último abraço que trocou com o Toquim Barreto.
Foi com profunda mágoa, que recebeu a notícia que o Toquim, apenas com 26 anos falecera em acidente de corrida em Saint-Etienne. Era um companheiro amigo e alegre e um valor do automobilismo nacional que prematuramente desaparecia.
O Filipe Nogueira e o Jaime com o Spyder alinhado para a corrida em Imola.
César Torres com o volkswagen transformado pelo Jaime
1959- Circuito de Monsanto – Na corrida conjunta Taça cidade de Lisboa – Turismo, Taça S.N.I. –GT e Taça G.C. de Lisboa – Sport, na 1ª Linha da Grelha de Partida, Moura Pinheiro- Porsche Spyder, João Vaz Guedes – Mercedes 300 SL e Correia de Oliveira – Porsche Spyder, os três carros preparados pelo Jaime Rodrigues.
Nesta corrida também assistia o Cooper Clímax de Carlos Faustino (IF-24-85), o Porsche Spyder de Marinho de Lemos e o Alfa-Romeo de César Torres.
Neste mesmo ano José Baptista dos Santos recebeu o Alfa-Romeo Giullietta 1300 (IF-45-27) cuja preparação e assistência foi entregue ao Jaime.
Circuito de Monsanto- 1959
1961- Com Baptista dos Santos, foram vencedores absolutos do Campeonato Nacional de Condutores – Grupo de Turismo, em Alfa-Romeo Giullietta 1300.
Também com o Alfa-Romeo foram vencedores absolutos da 12ª Volta a Portugal.
Uma vez mais a convite do A.C.T.A. deslocou-se a Luanda assistindo Daniel de Magalhães em Porsche RSK, Filipe Nogueira – Porsche Spyder, Correia de Oliveira –Porsche Spyder e Albio Pinto – B.M.W.
Nos anos 60, o Jaime Rodrigues foi também dos primeiros entusiastas do Karting, que então aparecera. Construiu um modelo, com que se divertia nas primeiras provas organizadas à época.
Não havia pistas, nem pensar, faziam-se encontros de brincadeira, aos sábados na parada do quartel da Amadora, gentilmente cedida pelos responsáveis.
Com Baptista dos Santos em Alfa-Romeo Giullietta 1300. – 1961 Vencedores absolutos do Campeonato Nacional de Condutores, Turismo
Na imagem , uma prova de Karting organizada pela secção de motorismo do Benfica, na avenida interior do Jardim Zoológico. Recordo-me dos adversários Victor Névoa e António Rodrigues (qualquer deles excelentes motociclistas).
O Jaime Rodrigues foi dos primeiros entusiastas do Karting. Ao volante do modelo que construiu
1962/4 – Apareceram os “Minis”. Primeiro, os Cooper 1000, depois os Cooper S 1100 e nos anos 64/65 os 1300 S. Os “Minis” em Portugal, muito ficaram a dever da sua popularidade a Manuel Gião.
Primeiro com um 1100, e depois a grande expansão do modelo com o Cooper 1300 S.
O Jaime Rodrigues preparou mais que um Cooper 1300 S para o Manuel Gião, mas o que se tornou famoso foi o “FG-96-10”.
Com este carro, Manuel Gião fez provas que ficaram na memória de quem gostava e gosta do desporto automóvel.
Porque se tratava de um carro relativamente acessível, foi muito procurado pela juventude da época .
O Jaime preparou e assistiu os Cooper’s de Manuel Gião, César Torres, Raposo de Magalhães, Hipólito Pires, Francisco Romãozinho, Colaço Marques, Salema Garção, Espírito Santo, Honorato Filipe, Mercedes Geraldes, Teresa Torres e tantos outros de norte a sul do país.
Em Espanha os Cooper’s preparados pelo Jaime na Ponta Delgada, estavam identificados no exterior com um logotipo do departamento desportivo da oficina e com a pintura do tejadilho aos quadrados brancos e pretos como a bandeira de chegada dos circuitos, pintura esta que veio depois a ser adoptada por muitos “minis”.
Corriam o campeonato Espanhol com cooper’s preparados pelo Jaime Rodrigues : Jorge de Bragation, Rafael Barrios, Reverter, Juncadella, Simon Olano, Rudolfo Alfageme e outros de que não estarei lembrado.
Conforme se referia à época “Cooper Broadspeed”, o carro do Manuel Gião era o Cooper “Jaime Rodrigues”
Era com esta pintura que seguiam para Espanha todos os Cooper’s com a transformação Jaime Rodrigues
Placa identificadora das transformações do Jaime, que era aplicada na tampa das válvulas dos “Minis”
Emblema do Departamento Desportivo da Oficina
1966 – Um caso que se passou com o Manuel Gião, e não o quero deixar de referir, porque alguns dos intervenientes, tanto quanto sei, felizmente ainda se encontram entre nós, foi a sua desclassificação no Circuito de Montes Claros.
Depois do Manuel Gião ter feito uma corrida fantástica, de por o Jeff Uren com o Cortina Lótus vindo de Inglaterra, a “falar sozinho”na Box, e a dizer que corria com os Cooper’s em Inglaterra e nunca tinha visto nenhum a andar assim (eu assisti). Depois, de como se diz na “gíria” ter dado uma “bandeirada” aos Cortina Lotus, ao Alfa GTA, a todos os outros Cooper’s, com um “broadspeed” incluído, o carro após a vitória foi colocado em parque fechado e determinada pela organização a abertura do motor.
Daí para as oficinas da Austin na Av. de Berna, onde se procedeu à abertura do motor.
Toda a noite foram medidas e remedidas as peças possíveis, e nada! Não encontravam nada de irregular. Até que, lá estava! O circuito de água da “chauffage” tinha sido aproveitado, para acrescentar ao circuito de arrefecimento mais 4 dl de água em circulação. E como nenhuma irregularidade no motor foi encontrada, foram os 4 dl! o motivo que encontraram para desclassificar o Manuel Gião!
Como escreveu José Baptista dos Santos no seu artigo do Jornal “O Motor” de 7 de Julho de1966 “O que de tudo isto nos deixará um gosto amargo, é se Gião for desclassificado por uma questão de pormenor”. E conclui o artigo “Não sabemos nada da existência de irregularidades no motor de Gião, mas seja como for, este não necessita de “habilidades” para ganhar, disso temos a certeza”.
E de facto não havia “habilidades”, eram só 4 DECILITROS de ÁGUA!!
Falando ainda do “FG-96-10”, com que o Gião fez a delícia de todos os que gostamos do desporto automóvel, vi num “Blog” que numa tertúlia dedicada ao Campeonato Nacional de Rallies-1966 que o Manuel Gião ganhou – Vencedor Absoluto e Grupo Turismo, que o Giovanni Salvi, terá dito que o Gião venceu quase todos os rallies em 1966, só, porque ele era o melhor! O Giovanni, porque nos conhecemos de longa data, não vai levar a mal, mas esta afirmação é uma meia verdade.
O Manuel era de facto o melhor, mas também tinha um carro muito competitivo, era o melhor conjunto!
Foi uma época de grande entusiasmo, em especial como já disse, na camada jovem.
A Preparação de um Cooper envolvia muito trabalho de minúcia especializada, em especial a preparação de uma cabeça do motor.
Eu tive o privilégio de ver o Jaime a trabalhar e polir uma cabeça do Cooper, era um “trabalho de ourives”.
O Jaime Rodrigues era além de estudioso, muito organizado e nesta fase dos Cooper, eram dezenas de transformações entre nacionais e feitas para Espanha.
Pois o Jaime, tinha um pequeno dossier, onde anotava as afinações correspondentes a cada transformação, uma a uma e raramente havia duas totalmente iguais. Um pormenor destas anotações era serem identificadas exactamente como tratava os clientes. Um exemplo: A afinação de um cooper de “Raposinho de Magalhães”, era assim que o tratava. Estes diminutivos, justificavam-se pela amizade e pela diferença de idades, daí que por esta camada jovem começasse a ser tratado pelo “Pai Jaime”.
Neste ano, foi formada uma nova Formula com mecânica Volkswagen, denominada FORMULA V.
Raposo de Magalhães/Frederico Abecassis e o Jaime no Circuito de Montes Claros
1966/67- O Filipe Nogueira com a sua veia empreendedora, comprou um Fórmula 3 um Brabham BT-18-Ford/Coswrth, e formou o “PORTUGUESE RACING TEAM”, de que era o único piloto fixo.
Chegou a fazer equipa com Manuel Gião(que não chegou a alinhar), António Peixinho e Mané Nogueira Pinto, no Campeonato da Europa de Fórmula 3.
O carro na Europa era transportado numa carrinha VW de caixa aberta adaptada com cobertura de lona e decoração identificadora da nacionalidade.
A primeira viagem do BRABHAM BT 18 do PORTUGUESE RACING TEAM
Também o Brabham estava entregue ao Jaime quando baseado em Portugal.
Nesta fórmula, uma vez mais, Filipe Nogueira evidenciou as suas qualidades de condutor, traduzidas nestas palavras de Graham Hill, “Tem as qualidades que fazem um corredor: calma, bom aproveitamento da máquina e perfeita reacção às incidências da prova. Pode ir longe, desde que disponha de máquinas apropriadas”.
À época, ao competir em MACAU, o Brabham fez a mais longa distancia percorrida por um carro português de competição.
Com o Brabham BT18 Fórmula 3 de Filipe Nogueira
1967- O Jaime fez o seu último rallye. Foi o rallye de Orense como companheiro de Manuel Gião. Não tiveram sorte, pois já com confortável avanço, na disputa do 3º troço da Prova, partiram uma porca de fixação da barra da direcção.
O Jaime foi impotente para reparar a avaria. A “solução” só passou meia hora depois : “cinquenta pesetas permitiram-lhe uma busca à mala da ferramenta de um velho Chevrolet …onde encontrou uma porca da mesma medida. (Jornal Escape).
Sendo a época dos Cooper’s, outras “máquinas” iam sendo preparadas e asistidas pelo Jaime, como o Lotus 47 de José Bernardino Lampreia o Porsche 911 2.2 de Colaço Marques, o Porsche Grupo 5 de Christian Melville, e o Alfa-Romeo de Jorge Soares Mendes.
Em conversa com Manuel Gião e César Torres no seu último rallye.-Orense
Situações divertidas
O Jaime era um bom companheiro, alegre e com muito senso de humor, daí rir com gosto quando contava algumas das situações divertidas como estas, que viveu no meio dos automóveis.
Aconteceu na ida ao Brasil, onde o Jaime foi assistir o Mário de Araújo Cabral e o Daniel de Magalhães no Circuito da Tijuca, de que o Nicha Cabral seria o vencedor.
Já a corrida ia a meio, quando se deu um acidente com um corredor brasileiro, do qual resultaram alguns espectadores feridos.
Entrou uma ambulância no Circuito e como se impunha, os comissários levantaram as bandeiras brancas, sinal como se sabe, de ambulância na pista.
Qual não foi o espanto, quando o Daniel de Magalhães parou na box e quando o Jaime lhe perguntou o que se passava, ele respondeu com cara muito aflita : “Já me mostraram duas vezes uma bandeira branca, com certeza é para eu parar”.
Mandou-o seguir imediatamente, dizendo-lhe o que se passava. Depois dele partir e de vir a classificar-se em 3º lugar, riu com gosto, pois o Daniel era muito distraído e só assim podia ter tido um engano daqueles.
O Gitanillo de Triana
No rallye de Lisboa, em 1947, o Jaime apercebeu-se que quando entrava nas lojas em Espanha era olhado com curiosidade, até que começaram a perguntar-lhe se era o “Gitanillo de Triana”, que pelos vistos, era na altura um famoso toureiro espanhol.
Essa parecença veio a confirmar-se com a notícia que saiu num jornal de S. Sebastian, que relata:
“También uno quedo sorprendido al comprobar que entre los expedicionários, figura un sósias de Gitanillo de Triana, hasta el punto de que sugerimos que su salida del control fuese rubricada por un pasodoble torero. La falta de charanga impidió llevar a la prática tan esclarecida idea.”
Claro está, que entre os amigos, durante muito tempo o Jaime passou a ser “ O Gitanillo”.
1968/9- Chegam os primeiros BMW 2002, 2002ti e tii. Começou uma nova era para o Grupo I.
A grande maioria da juventude que até aí andara nos “Minis”, também porque os BMW, apesar de não serem tão acessíveis como os Cooper’s, não eram muito caros, e tinham uma assistência económica, tornaram-se os preferidos.
O Jaime preparava e assistia a grande maioria dos 2002, tanto nos rallies, como nos circuitos.
Um ano tinha na grelha da corrida de Turismo no Circuito de Vila Real, os seis BMW inscritos na corida.
José Lampreia, Raposo de Magalhães, Christian Melville, Jorge Nascimento, “Dino”, Albio Pinto, Frederico Abecassis, Mário Figueiredo com o “schnitzer”e outros de que decerto me estou a esquecer confiavam-lhe os seus carros.
1969- José Lampreia recebeu na Alemanha, com a companhia do Jaime, um B.M.W.2002 alpina, que faria furor, e que na altura era conhecido pela “Bomba”.
Á época, era um carro magnífico, com cerca de 200 cv. Com este carro, José Bernardino Lampreia foi neste mesmo ano (1969), campeão nacional de velocidade – Turismo e Turismo especial.
Os BMW 2002 preparados pelo Jaime em acção no Circuito de Montes Claros
Na Alpina com José Lampreia
Depois de muitos anos, foi com alegria que ouvi a voz de José Lampreia, a quem telefonei, pois a memória já nos vai pregando partidas e não tinha bem presente o ano da vinda do seu BMW 2002 Alpina. Sabendo da razão da pergunta, falando do Jaime Rodrigues, simpático e disponível, teve para com ele, palavras de um bom amigo : o Jaime era honesto, vertical e amigo sincero, como homem e muito competente como profissional.
A propósito contou-me o episódio da recepção do BMW 2002 Alpina.
O Jaime acompanhou José Lampreia à Alpina em Kaufbeuren, para a entrega do carro.
Foram recebidos pelo engº Bovensiepen, responsável pelo departamento. O motor estava no banco de ensaio, onde os mecânicos davam os últimos “toques”.
Passaram depois á demonstração. O motor foi posto a trabalhar e registou 194 cv.
O engenheiro disse-lhes com ênfase “aqui está o motor afinado !”.
O Jaime assistiu a tudo, e disse a José Lampreia : Oh! “Zézinho”, - era assim que o tratava -, pergunte ao Engº se não vê inconveniente, em que eu possa afinar os carburadores.
A pergunta foi feita pelo Christian Melville que os acompanhava. O engenheiro e os mecânicos, olharam para o Jaime, estamos a adivinhar como, mas disseram-lhe que sim.
Foi para junto do motor, afinou e ajustou o que entendeu à sua maneira e depois de dado o trabalho como pronto, pediu para porem o motor a trabalhar para nova aferição.
196 cv ! O Jaime tinha melhorado o rendimento do motor.
Foi com respeito e simpatia que o engº Bovensiepen lhe deu os parabéns! e decerto ficou ciente que o carro iria ser bem assistido em Portugal.
1970 – A FORMULA FORD, criada em 1967 só em 1970 começou a ter expressão em Portugal. Á semelhança de outros 21 Países, Portugal também teve um campeonato nacional de Formula Ford. Foi uma formula bem aceite a nível nacional, com muitos concorrentes nas provas disputadas.
O Jaime Rodrigues, preparava e assistia, o Merlyn de Frederico Abecassis e o Lola de Honorato Filipe.
Quando escrevia estas linhas, tive conhecimento com muita pena, da notícia do falecimento do Príncipe Jorge de Bragation.
Era além de cliente, um amigo do Jaime Rodrigues de longa data.
Preparou-lhe o primeiro Cooper, e afinava-lhe o Porsche com que também corria.
O Merlyn de Frederico Abecassis na Rampa da Serafina
Em 1970 o Jaime voltou a ajudar o amigo no Circuito de Montes Claros.
O Porsche 908/2 de Bragation teve problemas de motor nos treinos, e a corrida estava comprometida, mas o Jaime e a sua equipa trabalharam toda a noite, e no dia seguinte Jorge de Bragation com o 908/2 ganhou o Circuito de Montes Claros.
a vitória no Circuito de Montes Claros – 1970
Porsche 908/2 do Príncipe Jorge de Bragation vencedor do Circuito de Montes Claros (1970).
Esta fotografia tem no canto superior direito a seguinte dedicatória:
“Para Jaime con todo afecto y agradecimiento pués gracias a ti pude correr y ganar en Montes Claros. Jorge de Bragation – Agosto 1970”
1972- Em 20 de Abril de 1972, podia ler-se no Jornal “Motor” –
“ Portugal “exporta” técnica.
“Não é recente o reconhecimento da grande capacidade técnica de alguns mecânicos portugueses que se dedicam à preparação de viaturas desportivas.
Jaime Rodrigues tem sido um dos mais solicitados e muitos foram os pilotos espanhóis que lhe confiaram carros para preparar. Os mecânicos de competição contam-se assim, entre os poucos portugueses que começaram a exportar técnica.
Recentemente Jaime Rodrigues firmou contrato com um construtor espanhol da Formula 1430 – A Lince- para preparar os motores destinados a estes monopostos.
Os primeiros três motores já se encontram na sua oficina.”
Assim foi, em Espanha, com motores SEAT 1430, foi formada a Formula 1430.
Várias equipas disputavam este campeonato, tendo a LINCE, entregue ao Jaime a preparação dos seus quatro motores.
Entretanto, ano após ano foram-se disputando as Voltas a Portugal, sempre com vários carros preparados pelo Jaime, neste ano de 72, na XXIII, lá estavam na Ponta Delgada, o Opel de Vidigueira, o Austin 1275 de César Torres, o Fiat 124 Spyder de Teresa Torres, o Porsche de António Borges, o Dtsun 1600 SSS de Lucas Martins e o BMW 2002 de Albio Pinto.
Ao longo dos anos, era cíclica a chamada “Ronda das Oficinas”.
Antes dos Circuitos de Vila Real, Porto, primeiro Monsanto depois Montes Claros, e dos grandes Rallies, como a Volta a Portugal ou o TAP, lá estavam na Ponta Delgada os jornalistas do Volante, Motor, Auto Sport, Escape, enfim dos Jornais da especialidade da época, querendo saber quais os carros, pilotados por quem e tudo o que pudesse ser notícia.
Lembro-me do Adriano Cerqueira em início de carreira, do Bandeira de Lima, Maria do Céu, Vilela, Nuno Coutinho, José Pinto e outros de que decerto me estou a esquecer.
Ao tempo, foi uma sensação engraçada e porque não dize-lo, de um certo orgulho, quando vimos em casa, o Jaime na televisão.
A R.T.P. tinha um programa chamado “Um dia com…” que entrevistava durante cerca de 25/30 minutos, as pessoas que entendiam ter-se evidenciado no seu trabalho ou profissão.
Foi com prazer que o Jaime aceitou o convite e deixou no ar muitas das suas recordações do automobilismo nacional.
No programa “ Um dia com…” falando do que tanto gostava
1978- A saúde começava a faltar e o Jaime resolveu de acordo com o sócio Sebastião, como prova de reconhecimento e confiança, dar sociedade aos três empregados mais antigos: Fernando Rocha (mecânico), Emanuel Paixão (mecânico) e Manuel Rufino (bate/chapas).
1979- Foi mais uma notícia muito triste para o Jaime, falecera o seu grande e bom amigo Joaquim Filipe Nogueira. Tal como afirmou na sua última entrevista, foi a pior recordação da sua vida.
Viveram muitas alegrias juntos e também juntos passaram por alguns momentos difíceis.
Filipe Nogueira, que lhe dedicou estas palavras no seu album de fotografias das provas desportivas : “ Ao Jaime Rodrigues, mecânico de tantos anos e amigo de tantas horas más, do seu cliente antigo e amigo de sempre” – Joaquim Filipe Nogueira – 27/9/67.
1980- O Jaime teve de abandonar a Oficina. A saúde já não lhe permitia sair de casa, mas o seu interesse por tudo o que dizia respeito ao Automobilismo nunca esmoreceu, e a prova, foi a sua última entrevista em 1981 a Luís Carvalho, em que afirmava que via finalmente o apoio de patrocinadores aos corredores, causa que sempre defendeu, e que em seu entender bastante contribuiu para o incremento do automobilismo desportivo.
Foram muitas as modificações de sua autoria e que revelavam uma habilidade nata para a mecânica.
Faço referência a algumas de que me recordo, mas outras ficarão por mencionar:
- Os primeiros Skodas tinham a tendência muito perigosa de se virar. Pois o Jaime solucionou o problema com uma eficiente contra mola traseira.
- Na euforia desportiva dos Volkswagen nos anos 50, fez muitas transformações com 2 carburadores Solex e respectivas admissões de sua autoria, transformações essas, que chegou a fornecer para o Ultramar.
- Também nos Cooper’s idealizou umas válvulas para forçar a pressão de óleo sem recorrer a desmontar.
Kits para reforço do bronze central, para que em alta rotação não houvesse deformação da cambota e consequente gripagem.
- Como o Jaime dizia “tonificou” um Citroen GS, para Francisco Romãozinho, com a preparação das cabeças do motor e montagem de 2 carburadores duplos verticais weber transformados e equipados de filtros especiais. Estudou e concebeu colectores de admissão e de escape.
Câmaras de gás em alumínio aquecidas pelo óleo do motor.
Conseguiu a diferença de rendimento de mais 12 cv (DIN).
- Uma das suas útimas transformações, foi a de um Fiat 128, com 2 carburadores SU, as respectivas admissões, escape etc.
Com a qual obteve mais 15 Cavalos, confirmados em banco de ensaio.
Pelas mais variadas e boas razões o nome do Jaime Rodrigues continua a ser falado ainda hoje. Como certamente todos os “aficionados” compro o “Topos & Clássicos”, pois na revista de Março 2008- Notícia do falecimento de Jorge de Bragation- “ Os seus carros de eleição foram os Abarth 850, e os Minis (Preparados em Portugal por Jaime Rodrigues).
“Topos & Clássicos” – Abril 2008 – História engraçada “O Roubo do Mini”, contada por Albino Abrantes que acaba desta forma : “ Não te preocupes Albino, vais ao Jaime Rodrigues que ele faz-te um igual, não te preocupes, o pai paga.
Escusado será dizer que fiquei com um motor muito melhor, feito pelo melhor preparador nacional”
“Topos & Clássicos” – Julho 2008 – “O Baú de Júlio Félix”. Júlio Félix, refere ser ao tempo de seu pai em Vila do Conde, “a Oficina J. Félix e Filhos onde passavam grandes pilotos e grandes máquinas.
Jaime Rodrigues, por exemplo, guardava sempre lá os seus carros e lá lhes dava assistência durante os Circuitos de Vila do Conde.”
1983- Faleceu depois de doença prolongada a 7 de Novembro 1983.
O que foi escrito após a sua morte:
No Auto Sport 10 de Novembro 1983 de que era Director Fernando Petronilho, a notícia –
MORREU JAIME RODRIGUES- Iniciando a notícia com uma resenha da sua vida, afirma :
“Entre os que o conheceram, todos são unânimes em considerar Jaime Rodrigues como um dos melhores mecânicos de competição com que o Automobilismo Português, jamais contou, e o seu nome ficará ligado a muitos títulos nacionais, a algumas das melhores provas realizadas além-fronteiras por pilotos portugueses, e ainda à preparação de automóveis para pilotos estrangeiros”.
E continua, terminando: “Como não tivemos a sorte de conhecer Jaime Rodrigues tão bem como os “seus” pilotos, que com ele lidaram de perto e ao longo de vários anos, considerámos importante associá-los a esta homenagem a “Mestre Jaime”.
José Lampreia –
“Chamávamos-lhe o “Pai Jaime”, e mais do que um mecânico de inteira confiança era um amigo. Tinha uma grande amizade pelo Jaime Rodrigues, e ele por mim, mas entre os pilotos tinha muitos amigos. Aliás, marcou várias épocas e várias gerações de pilotos, sendo, sem dúvida, um dos melhores preparadores portugueses, juntamente com Mário de Jesus.
Confirmei que se tratava dum mecânico fora de série quando o levei comigo à Alemanha para assistir à preparação do BMW ALPINA de Grupo 2, de que depois veio a assegurar a assistência.
Estivemos por lá três semanas, e foi o próprio Jaime quem afinou a carburação do motor, deixando bastante impressionados os técnicos alemães, e particularmente o engenheiro Bovensiepen.
O Jaime Rodrigues tinha, de facto, um ouvido e umas mãos notáveis para afinação de motores, e fui campeão nacional em 1969 com o BMW Alpina, que fez treze corridas sem quaisquer problemas, ultrapassando largamente as 50 horas que eram dadas como limite de funcionamento para o motor sem revisão.
Acrescentarei ainda que Jaime Rodrigues guiava muito bem e aprendi muito com ele, inclusivamente neste particular. Muitas vezes dava voltas aos circuitos com ele dentro do carro, e chegávamos a discutir trajectórias ou a forma como deveria fazer esta ou aquela curva. Gostava de o ouvir.”
César Torres-
“Foi o preparador do meu primeiro Volkswagen, e depois estive muitos anos ligado a ele.
Tinha uma grande amizade pelo Jaime Rodrigues. Com a sua morte, perdeu-se alguém que estava ligado aos primórdios do automobilismo português, um dos três primeiros preparadores nacionais, que foram Jaime Rodrigues, Mário de Jesus e Manuel Palma.
Devo ainda sublinhar o facto de ele não se ter limitado a ser mecânico, tendo acompanhado muitos pilotos em rallies”.
Baptista dos Santos-
“Sempre vi o Jaime Rodrigues como um mecânico competente e tive-o ainda como companheiro em várias provas. Fiz, aliás, um ano inteiro de ralis com o Jaime como navegador, e recordo particularmente a Volta a Portugal que ganhámos, na qual ele solucionou uma avaria no dínamo que, sem ele ao meu lado, poderia ter-me impedido de continuar…
Manterei uma boa recordação do Jaime Rodrigues”.
Fernando Baptista-
“Ainda tive o privilégio de correr com carros preparados por Jaime Rodrigues.
Jaime Rodrigues era bastante respeitado e considerado por todos os que o conheciam, e sobretudo pelos que tiveram o privilégio, como eu, de correr em carros preparados por ele.
Toda a gente o considerava como pessoa e todos reconheciam a sua grande capacidade profissional.
Era um homem correcto e desprendido, que agia sempre como desportista, podendo servir de exemplo para muitos nos tempos que correm. Não me posso esquecer que várias vezes pôs a sua oficina à minha disposição, quando de provas em que tinha que me deslocar a Lisboa.
Como técnico era altamente competente, mantendo-se sempre ao serviço do desporto automóvel, tal como o seu “braço direito” Emanuel Paixão.
Tratava impecavelmente os carros que lhe estavam entregues, mas não se escusava a ajudar os adversários quando estes precisavam.
Recordarei sempre Jaime Rodrigues como homem e como desportista”.
Manuel Gião-
“Foi um grande amigo, para além de um óptimo preparador Jaime Rodrigues marcou a melhor época da minha vida como piloto e é a ele e à sua equipa de mecânicos que devo muito do que fiz nos automóveis”.
Francisco Romãozinho-
“A meu ver, foi o melhor preparador nacional de carros de competição, e o seu desaparecimento deixa um vazio no nosso automobilismo desportivo. O Jaime Rodrigues era para além de excelente preparador, um homem bom e uma pessoa com quem era fácil estabelecer relações de amizade.
Por isso, em cada cliente tinha um amigo.
A sua competência era, aliás, reconhecida mesmo para além das nossas fronteiras, e lembro-me, por exemplo, que Jorge de Bragation conseguiu as suas primeiras vitórias importantes com um Cooper preparado por Jaime Rodrigues.
Foi o reconhecimento das suas qualidades profissionais que levou a Citroen a estabelecer com ele relações muito próximas de trabalho, que passaram pela preparação de um motor GS de grupo 2, sendo em seguida, nomeado agente de serviços da marca.”
Pelo muito que significam para mim, aqui ficam as palavras de António Raposo de Magalhães na carta que me enviou após o falecimento do Jaime
“ Alcobaça, 10 de Novembro 1983
Meu caro Mário
Fui hoje surpreendido pela notícia da morte do seu pai na leitura de um jornal.
Sabia que estava doente, mas a distância e a vida bastante ocupada foram impedindo o cumprimento de uma coisa que era para mim importante fazer: Dar-lhe um abraço e recordar um tempo que ficou para mim como do melhor que passei.
O seu pai, foi um dos meus grandes amigos do automobilismo, foi uma pessoa que, pela sua força, alegria, e disponibilidade ensinou muitos de nós a praticarmos este lindo desporto, criando em nós uma ética muito própria.
Muita gente se pergunta pelo sentido da vida e o exemplo da vida do seu pai é um fruto que colhemos e que nas nossas lembranças nos fica como alguém que nos marcou o nosso carácter.
Foi um privilégio ter sido amigo dele.
As minhas mais sentidas condolências para si e sua família.”
Assinado
Esta foi a geração que o tratava por “Pai Jaime”.
O Jaime merece ser recordado pelo muito com que contribuiu e dedicou ao longo da vida ao desporto automóvel em Portugal.
Serei suspeito para falar do Jaime Rodrigues como homem, mas posso afirmar, sem risco de faltar à verdade, que foi um chefe de família exemplar e um pai sempre presente e abnegado , muito bom, amigo e companheiro.
O Jaime foi o meu querido pai.
Esta merecida homenagem ao "Mestre Jaime Rogrigues" foi gentilmente oferecida pelo seu filho Mário Rodrigues.